Atualmente, o termo "concerto" refere-se às mais diferentes formações orquestrais e a vários tipos de obras. Costuma-se dizer, hoje em dia, que "vou no sábado assistir ao concerto da orquestra X", sem que com isto fique necessariamente implícito o tipo de obra que será executada. Ou seja, a palavra "concerto" virou um termo mais popular.
No entanto, eu sou daqueles que ainda prefere usar o termo "concerto" naquele sentido mais clássico, que solidificou-se lá na época do Romantismo: um tipo de obra na qual temos um ou dois instrumentos solistas acompanhados por uma orquestra. Foi justamente no Romantismo onde os concertos passaram a ter como propósito explorar ao máximo o virtuosismo do solista.
Ao longo da história foram escritos concertos para os mais diversos instrumentos solistas, desde concerto para tuba até concerto para gaita diatônica. Mas de todos os tipos de concerto, o meu preferido ainda é (e sempre será) o concerto para piano. Existe algo de excelência neste tipo de concerto, algo quase místico. Até visualmente é bonito, aquele enorme piano de cauda semi-cercado pela orquestra, com a qual estabelece uma relação de "amigável disputa", que resulta, certamente, em uma experiência musical fantástica. Vários outros tipos de concerto são muito bonitos, mas o concerto para piano é mágico.
Tornar-se um pianista em condições de ser solista em um concerto para piano é para poucos. Envolve muito, mas MUITO estudo, dada a complexidade inerente do piano. Mas particularmente no mundo dos concertos para piano, ser um solista de destaque exige mais do destreza, memória, técnica e 8 horas diárias de estudo: exige talento e expressividade.
A BBC fez um programa muito bom sobre isto, em sua série "Imagine...". O documentário chama-se "Imagine being a concert pianist". É um documentário de 2005 (em inglês), mas vale a pena ver pois continua certamente muito atual.
Basicamente, este documentário trata dos vários fatores envolvidos para se tornar um pianista de concerto, desde a dificuldade, o tipo de estudo, o que se espera de um solista nos dias de hoje, onde temos centenas e centenas de pessoas estudando para isto, mas apenas alguns poucos de destacam e chegam a gravar CDs, DVDs e tocar com as grandes orquestras.
Se você não quiser ver o documentário todo, tudo bem. Mas deixo abaixo listado alguns pequenos trechos que merecem uma olhadinha rápida:
0:51 - Este é Benjamin Grosvenor, na época com 12 anos. Este simpático garotinho de língua meio presa deixou muito pianista profissional de queixo caído. Ele dá uma entrevista bem interessante logo alguns minutos depois. O que ele faz no piano é sobrenatural.
7:32 - Nas palavras do mestre Artur Rubinstein (que aparece várias vezes no documentário): "(...) you cannot learn talent". Segundo ele, você nasce com o talento e depois apenas o desenvolve. Mas você não pode aprender o talento.
22:00 - Na escola Juilliard de música, em Nova Iorque, olha o nível das aulas que eles têm lá. Professores de excelência lapidando pianistas de várias partes do mundo. Ali não adianta ler a partitura e tocar muito bem. Você precisa expressar algo com isto, e também saber expressar-se. Aos 24:40, a professora pergunta ao aluno: "Qual a diferença entre o meu jeito de tocar e o seu?" É o tipo de pergunta que coloca o aluno em cheque...
27:00 - Este chinês é Lang Lang, excepcional pianista da atualidade. Ele tem uma característica que eu acho interessante nos melhores pianistas: ele toca com emoção. Veja um pré-aquecimento dele antes de entrar em palco (para execução do magistral Concerto n. 4, de Beethoven), não só em termos de piano, mas como ele repassa a música mentalmente, estuda a partitura, prepara-se emocionalmente para a apresentação, como ele lida com o nervosismo. É uma espécie de mini-aula com um jovem mestre. Imperdível. É legal vê-lo nos bastidores, e aos 29:42 ele entra no palco. Aos 30:30 inicia o concerto. Este Concerto n.4 de Beethoven já inicia com alguns acordes ao piano. Este início em particular não é tecnicamente difícil, mas emocionalmente difícil. E Lang Lang atinge a perfeição. Eu, particularmente, nunca ouvi execução tão perfeita como esta do Lang Lang. Ele próprio fala mais sobre isto na sequência.
(Aliás, um comentário: se você nunca ouviu o Piano Concerto n.4, de Beethoven, não perca mais tempo. Tire um tempo e ouça, mas com atenção, com qualidade. Tua noção do que é música de verdade vai subir um degrau depois disto, no mínimo...)
53:15 - Uma palhinha do pianista russo Yevgeny Kissin. Ele toca BEM melhor do que fala inglês.
Para finalizar, existem na Internet listas de discussão perguntando qual é o concerto para piano mais bonito. Só pessoas muito principiantes em termos de música podem responder a uma pergunta destas. Existem vários concertos muito bonitos, incomparáveis entre si. Quem consegue eleger um como sendo O MAIS bonito, é porque precisa aumentar seus horizontes em termos de experiências e conhecimentos musicais.
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